26.4.07
A Comemoração Entristecida
Antes de terminar o dia de hoje, 25 de Abril de 2007, trinta e três anos depois daquele outro dia luminoso, que tantas esperanças trazia no seu bojo, para milhões de portugueses aqui residentes, em África, na Europa ou no resto do Mundo, gostaria de deixar neste fórum algumas breves reflexões a seu respeito.
É este o primeiro 25 de Abril que passo sem os meus pais, que o festejavam com júbilo genuíno, desde o ano de 1974. A circunstância tem para mim relevância especial. Desaparecida a minha mãe em 1999 e o meu pai em Junho de 2006, acho-me eu com a responsabilidade de transmitir as memórias desse tempo esperançoso aos meus e ao mundo, passe a ressonância Papal.
É certo que já antes do falecimento deles eu me afastara das comemorações oficiais ou populares da data revolucionária. A elas havia episodicamente regressado, justamente em 1999, no 25º aniversário da Revolução, depois da morte da minha mãe em Fevereiro desse ano e, com pudor o confesso, senti na altura uma imensa tristeza, um embargo na garganta e os olhos húmidos, ante o desfile que presenciava, composto maioritariamente de gente idosa, humilde, largamente desiludida, mas, ainda assim, cumprindo a sua homenagem à memória daquela sua distante esperança.
Pode ser que por lá andassem também alguns daqueles figurões bem amesendados nas mordomias do novo Poder, certamente que alguns deles por lá se misturavam, mas a esmagadora maioria era, sem dúvida, gente do Povo simples, crédulo, manso, por séculos de sujeição e de pobreza, que, só esporadicamente, na História, explode de rancor com violência, para logo retornar à sua habitual quietude e ao seu antigo sombrio conformismo.
Assim, o vemos hoje, este Povo, de novo resmungando, descrente, mas incapaz de orientar a sua raiva, a sua amargura, num sentido concreto e objectivo. Dir-se-ia que voltou a ficar aturdido, mergulhado em novas e variadas alienações, apesar dos anunciados aumentos de escolaridade, das Universidades, públicas e privadas, que se multiplicaram pelo país, distribuindo diplomas, com a facilidade suspeitosa, que atingiu agora o seu cume, ao recair sobre a vera figura do actual Primeiro-Ministro, José Sócrates de seu nome.
Espero que as presentes autoridades democráticas, não obstante os seus numerosos, longos e diligentes braços, continuem a conceder-me, ao menos, a liberdade de poder afirmar a minha estupefacção e natural indignação pelo descalabro das modernas fábricas de diplomas sem conteúdo em que se tornaram muitas dessas novas universidades.
Absolvo alguns dos revolucionários de Abril desta vergonha sem nome, mas não a desculpo, nem muito menos a justifico, com vejo fazer a tanta gente putativamente responsável, no País, incluindo as que, por estrito dever das funções em que foram investidos, a deveriam reprovar, denunciar e combater.
Confio em que os agora oportunamente indulgentes ainda hajam de responder, pelo menos em consciência, pela sua extraordinária omissão.
Que sentido fará, então, comemorar as virtudes democráticas do 25 de Abril de 1974, se estamos disponíveis para contemporizar com irregularidades, ilicitudes e fraudes, logo que um dos nossos nelas se encontre envolvido ?
Que diferença haverá entre um Partido Político e uma qualquer Organização de Socorros Mútuos a Amigos em Apuros ?
E, se não compreendemos as diferenças, para quê festejar Abril ?
AV_Lisboa, 25 de Abril de 2007
15.4.07
José Sócrates e a Licenciatura Fatídica
Inevitavelmente, o assunto do momento impõe-se-me na agenda. Impossível fugir-lhe, por mais que se evoquem outros temas de comprovada importância para o País.
Certamente que nos últimos 100 anos, nunca se terá visto em Portugal um Primeiro-Ministro de tal maneira atrapalhado, sob tão pesadas suspeitas de haver praticado, por acção, por omissão ou por conivência, tão graves irregularidades, na obtenção de um simples diploma de Licenciatura.
Logo na 4ª feira passada, dia 11 de Abril, após a ansiada entrevista à RTP do Primeiro-Ministro de Portugal, José Sócrates, de seu nome próprio, sem títulos, nem adornos, legítimos ou ilegítimos, tinha pensado escrever aqui um artigo com alguma extensão, que verdadeiramente expressasse aquilo que entendo da trapalhada em que este nosso concidadão se meteu e se enreda a cada explicação que dá ou a cada pormenor que a ela se acrescenta, para seu desdouro e para nossa martirizada desventura de povo habitualmente dócil, mas não totalmente desprovido de razão.
À hora em que escrevo, receio bem que, com a catadupa de incongruências que se acumulam, acabe até por perder a oportunidade de emitir opinião sobre o assunto, visto admitir já, naturalmente, a possibilidade de, entretanto, José Sócrates se demitir ou vir a ser demitido do cargo, por insustentável falta de credibilidade política.
A sua idoneidade moral encontra-se, a partir deste momento, ferida de morte, por sua inteira culpa e não por acção de outrem, como certos comentadores, aflitos, mas descarados, nos tentam impingir.
A estes aprendizes de advogados do diabo devemos recordar-lhes que, sendo eles próprios pessoas inteligentes, cultas e experimentadas nas diversas contingências da vida, porventura embevecidos com a sua imaginada capacidade de persuasão, caem num erro fatal, se desprezam a inteligência e o senso moral dos seus leitores ou interlocutores.
Assez c’est assez. Nou en avons assez. Enough is enough, apetece dizer nos idiomas mais praticados entre nós. Desta vez passaram das marcas. Não nos tomem por ingénuos, por parvos ou por distraídos. Hoje temos a Internet, não estamos submetidos às suas versões dos acontecimentos.
Podemos debatê-los, averiguá-los, esclarecê-los, sem necessidade da sua intercessão mediática. Neste imenso meio, há de tudo, como também no deles, não se percebendo porque muitos se referem à blogosfera num tom habitualmente ultra-desdenhoso, como se eles pairassem num Olimpo asséptico, impoluto.
Abençoada tecnologia, poderíamos exclamar, que nos libertou do jugo do compadrio mediático largamente preponderante, em Portugal, com as naturais e honrosas excepções, cada vez em menor número, como bem sabemos, pelas perversões de toda a ordem que se topam por aí.
Alguns pressurosos acólitos do PM, geralmente bem acomodados nas prebendas do costume, facultadas pela nomenclatura política vigente, pretenderam fazer-nos crer que a entrevista fora plenamente esclarecedora e que as dúvidas quanto à Licenciatura do Primeiro-Ministro se haviam dissipado, com as suas declarações e com os documentos de que, na entrevista, se fez acompanhar, ainda que as câmaras não no-los tivessem mostrado.
Vários desses fâmulos surgiram logo, assanhados, tentando impor uma versão mitigada dos factos, dando por encerrada a questão, com o sumo desplante de lançar o opróbrio sobre quem aludia a questões de carácter ou da sua falta em todo o processo. Precipitaram-se, porque tão depressa ela não se esgotará, nem terminarão as discussões que ela continuará a suscitar, tão fértil é o seu manancial.
Todos os pormenores da trapalhada foram já abundantemente dissecados por António Balbino Caldeira, no Portugal Profundo, sua tribuna privada, de onde há cerca de dois anos iniciou a sua tarefa de investigação e dilucidação da misteriosa Licenciatura socrática, passe a expressão, porventura deslocada, pela nobreza do termo associado, oriundo da velha Hélade, pátria cultural querida de muitos, matriz suprema do pensamento ocidental.
Seria preciso que um cidadão fosse muito cândido, dotado de uma alma demasiado benévola, a raiar a debilidade espiritual, para acreditar na tese de José Sócrates.
Com efeito, obter condições tão vantajosas no plano das equivalências curriculares, sem sequer apresentar prova de habilitações anteriores, frequentar a «Universidade» Independente, no ano lectivo de 1995-1996, ao mesmo tempo que era Secretário de Estado do Ambiente do 1º Governo de António Guterres - o tal que fugiu do pântano, em lugar de o combater - com uma agenda carregada, como costumam ter os membros de um qualquer Governo, tanto que nem dispõem da maior parte dos fins-de-semana, gastos em inaugurações e visitas protocolares e, mesmo assim, chegar a Julho de 1996, com as 4 ou 5 cadeiras que lhe haviam proposto para completar a Licenciatura, todas feitas, com notas elevadas, sem sequer deixar para 2ª época um trabalho final, um Projecto, é obra notoriamente inverosímil, mesmo se contando com a ajuda do tal Professor providencial, que lhas leccionava todas, como já lhe havia também leccionado algumas no estabelecimento de ensino que Sócrates anteriormente frequentara.
Só quem não faça ideia do que seja preparar estudos finais de disciplinas de qualquer especialidade de Engenharia pode crer em tal façanha.
Mesmo os estudantes normais, a tempo inteiro, jovens, de mente fresca, aplicados e bem ritmados dos estudos dos anos anteriores, têm dificuldade em terminar os trabalhos em Julho, no seu último semestre lectivo, quanto mais alguém nas circunstâncias em que José Sócrates se achava, de dia com tarefas no Governo, com contestações e oposições políticas e sociais, com compromissos variados de agenda aos fins-de-semana, e à noite, a frequentar aulas, a estudar, a desenvolver os Projectos de fim de curso, etc., etc.
Nem com muito boa vontade ou com simpatia política tal parece possível de aceitar. Duvido que os socialistas engenheiros engulam esta versão, salvo se tiverem abdicado da integridade da sua própria consciência.
Um simpatizante ou mesmo militante partidário, por esse facto, não perde a sua autonomia de pensamento, se este nele existe, só incorporando no seu espírito aquilo que merece o seu acordo, o seu assentimento intelectual. Caso contrário, ele transfigura-se noutra coisa, numa espécie de robot programado para aceitar e repetir verdades alheias que o seu próprio intelecto haveria de rejeitar se funcionasse com autonomia.
No presente imbróglio, são tantas as suas vulnerabilidades que custa a creditar que haja quem as possa iludir.
Tatar-se-á de uma coincidência que este Professor providencial, António Morais, seja militante do mesmo partido, ex-assessor de Armando Vara, colega de Governo de Sócrates e tenha sido sempre, posteriormente, nomeado para cargos importantes da Administração Pública, bem como contemplado com adjudicações de obras ou projectos de iniciativa governamental, sempre que Guterres e Sócrates estiveram em exercício?
Para não falar de outras figuras, igualmente nomeadas por Sócrates para lugares de topo da Administração Pública, uma delas até com escassa e recente formação universitária, de resto concedida pela mesma «Instituição» em que Sócrates se terá licenciado, agora suspensa por irregularidades de toda a ordem, com os Reitores todos presos. Acharemos estes casos todos normais e sem ligação uns com os outros ?
Tudo isto entra pelos nossos olhos adentro, como uma terrível montanha de irregularidades formais e materiais : declarações diversas e contraditórias do visado, preenchimento em duplicado de documentos, na Assembleia da República, com incongruências nas Habilitações Académicas declaradas, diplomas diversos com datas trocadas, com notas diferentes nas mesmas cadeiras, diplomas assinados por Reitor, que, afinal, ao tempo, não o era, e pela filha, que desempenhava funções administrativas na dita universidade, etc., etc., tudo envolto num rol de trapalhadas que justificam todas as dúvidas e que colocariam numa posição extremamente crítica o cidadão comum José Sócrates, quanto mais o cidadão que é, presentemente, Primeiro-Ministro de Portugal.
Mas se o processo é desonroso para Sócrates, ele não o é menos para todos nós, porque espelha todo ele uma profunda degradação moral das Instituições e das supostas elites que dirigem o País e que, não por acaso, o quiseram antes abafar e agora o pretendem desvalorizar e rapidamente encerrar.
Escândalo após escândalo, a credibilidade dos nossos dirigentes se afunda, sem remédio. E não será por eventual falta de alternativa que haveremos de desculpar o que vemos acontecer. Lembremo-nos de que, em Democracia, há sempre alternativa, como, ainda há pouco tempo, insuspeitos arautos da dita no-lo asseguravam com voz altiva.
Por muito que desagrade a algumas figuras subitamente abespinhadas por considerações de ordem moral tecidas a respeito deste imbróglio, é justamente nesse plano que elas têm de ser formuladas. Acaso poderia ser de outra forma ?
Cabe aqui também, a talho de foice, perguntar : onde parará, neste amálgama, a tão decantada e apregoada ética republicana, laica e socialista ?
Como pode um homem sobre quem impendem todas estas graves suspeições exercer com autoridade a alta função em que está investido ? Como podem os seus advogados de circunstância dispor-se a defendê-lo ou a justificar as suas alegações ?
Neste ponto, convirá que sejam retidos os nomes dos que se prestaram e prestam a tão indecorosa atitude de cobertura moral do imbróglio, não para os queimar num qualquer pelourinho, mas para que nunca mais venham a enganar ninguém.
Nos grupos políticos, os de inspiração comunista, PCP e Bloco, esforçam-se por dissimular um apoio real a Sócrates, denunciando, mais uma vez, a sua proverbial duplicidade de critérios, quando não um rematado cinismo político.
Noutra esfera, ainda mais surpreendente, no PSD e no CDS/PP, também há quem se tenha prontificado a dar cobertura a todo o processo, amparando José Sócrates, par lá do que sofre a inteligência comum de qualquer cidadão.
Deram, com o seu inconsiderado procedimento, mais um péssimo exemplo ao País, levando-o a concluir, que, nesta como em todas as demais questões políticas que o País discute, nada conta tanto como os interesses envolvidos.
Com pensamentos deste teor podem sustentar-se múltiplas parcerias, mas não se sustentam Nações.
Reside aqui, a meu ver, o busílis da questão. Sigamos, entretanto, os seus próximos episódios.
AV_Lisboa, 14 de Abril de 2007
PS : Como nos idos de 1974-75, cantava então Sérgio Godinho : «... E quem não o combate, é que dele faz parte... Pois é ...»